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https://laut.org.br/o-neopentecostalismo-como-a-religiao-oficial-do-bolsonarismo/
O neopentecostalismo, vertente evangélica com maior representatividade no Poder Legislativo, embora influente nos governos desde a redemocratização, nunca havia se aliançado tão incisivamente a um líder político como aconteceu com Jair Bolsonaro. Essa aliança contribuiu para que bolsonarismo se tornasse um movimento popular, com forte capital político, o que pode ser visto no sucesso eleitoral que os agentes ligados ao ex-presidente ainda possuem entre parte dos evangélicos. Um dos efeitos preocupantes dessa aliança é a criação de um empecilho ao debate democrático por um discurso neopentecostal radical, que fragmenta a política entre aliados e inimigos da fé cristã.
Apesar de encontrarmos equiparação conceitual do termo “evangélico” ao “neopentecostal” em alguns campos acadêmicos e políticos, para explicar o sucesso da aliança entre Bolsonaro e o neopentecostalismo é interessante fazer distinções. Existem algumas premissas próprias da vertente neopentecostal que lançam luz sobre esse cenário, e neste artigo, elencamos três delas: a teológica, a histórica e a eclesiológica.
As igrejas neopentecostais surgiram a partir da terceira “onda” do pentecostalismo, nos anos 1970. Neste momento, duas doutrinas se incorporaram ao neopentecostalismo e fundaram sua premissa teológica: a teologia do triunfalismo e da prosperidade. O triunfalismo se baseia na premissa de guerra espiritual do bem contra o mal pelo domínio do mundo, partindo da noção de que todo cristão deve agir diligentemente para que o “bem” — o cristianismo e seus representantes — seja vitorioso em todos os campos da vida — seja espiritual e emocional ou mesmo social, jurídico e político. Transposta para o debate público contemporâneo, a lógica triunfalista transforma a política em uma arena de batalha entre o bolsonarismo (o bem) e seus opositores (o mal), na qual cristãos devem se engajar a todo custo, sacrificando a democracia se necessário, para que as premissas da sua religião triunfem politicamente.
Por sua vez, a teologia da prosperidade transforma a lógica meritocrática em moral religiosa, ao pregar que a abundância material é o desejo de Deus para seus fiéis. As lógicas de contribuição e arrecadação do cristão se fundamentam na premissa de que a prosperidade financeira, assim como o desenvolvimento econômico e o progresso da nação, são sinais de fé e da benção de Deus. Ambas as teologias são visíveis em discursos de líderes religiosos sobre Bolsonaro, como, por exemplo, na manifestação do pastor Rúben Lima em apoio à candidatura do ex-presidente em 2022. Na ocasião, o pastor da Igreja Assembléia de Deus em Botucatu/SP afirmou que os “crentes” que diziam: “vou votar no Lula”, não mereciam “tomar a ceia do Senhor”, por apoiarem um “sistema contrário ao desenvolvimento nacional e à fé cristã”.
Uma segunda razão que explica as afinidades eletivas entre neopentecostalismo e bolsonarismo é o desenvolvimento histórico do primeiro. No contexto da redemocratização, em que parte das denominações cristãs passaram a demonizar a política ou aderir a doutrinas mais refinadas de separação entre a Igreja e o Estado, as igrejas neopentecostais viram na política um meio legítimo para buscar a materialização das suas demandas através da representação eleitoral.
A partir disso, a estratégia das igrejas neopentecostais consistiu em apresentar, por meio de uma linguagem bíblica, candidatos que representem seu interesse em cultos públicos, como aconteceu com Bolsonaro nos pleitos que disputou. É nesse sentido que Silas Malafaia, pastor da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo e importante aliado político do ex-presidente, cita a seguinte passagem bíblica ao apresentá-lo como candidato em um culto em 30/10/2018, data do anúncio da vitória eleitoral de Bolsonaro: “Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes; E Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são, para aniquilar as que são”.
Uma terceira razão que explica a aliança entre neopentecostalismo e bolsonarismo reside na organização eclesiológica eleitoral, ou seja, na forma pela qual igrejas neopentecostais se ajustam para que os candidatos representantes dos interesses da denominação tenham a adesão do eleitorado neopentecostal. O trabalho de Ari Pedro Oro sobre o tema é chave para explicar a questão, explicando que o sucesso eleitoral dos candidatos neopentecostais é resultado da forma de organização dos cultos públicos, e da capacidade de trazer para o campo político importantes elementos práticos e simbólicos do campo religioso.
Influenciadas pela teologia do triunfalismo, as igrejas neopentecostais têm emplacado o lema “irmão vota em irmão” nos púlpitos de suas igrejas e em manifestações religiosas oficiais, para angariar votos dos fiéis aos candidatos representantes de suas demandas, como vocalizou o pastor neopentecostal André Valadão em vídeo ao lado de Bolsonaro na campanha para presidência em 2022: “Tem que votar certo (em Bolsonaro), se não você não é crente não”.
Tal instrumentalização da fé como elemento de convencimento político faz com que essa forma de atuação não possa ser confundida com outras modalidades de apoio. A sobreposição entre alinhamento moral-religioso e político-eleitoral reforça a ideia de que ir contra o candidato escolhido pela igreja não é uma questão de discordância política, mas um atentado contra a religião.
As três premissas — a teologia, o desenvolvimento histórico e a organização eclesiológica eleitoral — se complementam e reforçam uma à outra nos discursos neopentecostais alinhados ao bolsonarismo, cumprindo o efeito de forjar uma divisão social pautada por símbolos neopentecostais que identifica os adversários políticos como inimigos da fé cristã. Essa arquitetura discursiva tem sido eficaz em minar as possibilidades de inclusão de parte importante da população no debate democrático, ao mesmo tempo em que esvazia a disputa política com o agenciamento de demandas das igrejas neopentecostais.
Débora Donida da Fonseca é doutoranda em Direito pela USP e mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Integra a pesquisa “Massacres no Campo da Nova República”, realizada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pelo Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS) e o LAUT.
Fabricia dos Santos Santos é mestranda em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA), integrante do grupo de pesquisa “Constitucionalismo, Crise Democrática e Ideologias Políticas” e do Programa de Formação do LAUT.
Camila Caringe
22 de janeiro de 2025
A administração Trump planejou, na terça-feira (21), que os funcionários que supervisionavam os esforços de diversidade, equidade e inclusão nas agências federais fossem colocados em licença imediatamente. O prazo é até quarta-feira (22) à noite. O decreto determina ainda que as lideranças tomem medidas para a redução de pessoal e o encerramento de escritórios até 31 de janeiro. O memorando também instrui as agências a remover qualquer linguagem inclusiva ou anúncio sobre programas de diversidade. Com a nova ordem, Trump encorajou o setor privado a seguir o exemplo do Governo Federal e acabar com os programas de diversidade e equidade, que se tornam ilegais.
Mas verdade seja dita: as pressões da extrema direita já vinham causando seu efeito muito antes das eleições. Em junho de 2023, a Suprema Corte dos EUA, impulsionada pela maioria conservadora, encerrou a política de cotas raciais em universidades de todo o país, descartando décadas de precedentes na vida americana. Os juízes concluíram que as políticas de admissão na Universidade de Harvard e na Universidade da Carolina do Norte violavam a cláusula de proteção igualitária da Constituição dos EUA.
A partir deste entendimento, grandes e pequenas empresas se sentiram licenciadas a rever seus próprios avanços no eixo social da sustentabilidade corporativa, inspiradas pelo ambiente jurídico permissivo, pelo contexto político em inclinação à direita e pela pressão cada vez mais articulada de conservadores que defendem seu direito à expressão violenta e à manutenção de preconceitos.
No ano passado, a Ford alterou suas políticas de diversidade e inclusão. Jim Farley, CEO da companhia, afirmou em um e-mail aos funcionários que a empresa “mudou o foco dos grupos de recursos humanos e encerrou a participação em pesquisas externas de cultura”, realizadas pela Campanha de Direitos Humanos, um grupo de defesa LGBTQ+. Mas em 2017, a mesma Ford tinha se vangloriado pelo reconhecimento da organização como um dos melhores lugares para trabalhar, justamente pela igualdade LGBTQ+.
Ainda em 2024, a fabricante de motocicletas Harley-Davidson abandonou iniciativas de diversidade, equidade e inclusão. A nota oficial informa que a marca não tem mais metas de fornecedores comandados por representantes de minorias. O comunicado ainda diz que a empresa limitaria o treinamento aos requisitos legais. O Walmart fez o mesmo. A Boeing também.
No último agosto, a BlackRock, maior empresa de investimento do mundo, informou que tinha reduzido seu apoio às propostas de acionistas que abordavam questões ambientais e sociais. De julho de 2023 até junho do ano passado, a empresa apoiou apenas 4% das 493 propostas. Em 2021, a BlackRock apoiou 47% das propostas apresentadas por acionistas ativistas. Mas como, se o CEO Larry Fink foi um dos primeiros grandes capitalistas a anunciar a emergência climática como uma ameaça aos negócios no mundo inteiro?
Em sua influente carta anual, Fink vinha fazendo alertas e incentivando investidores a adotarem práticas sustentáveis e trabalhar com propósito. Na sua carta de 2020, por exemplo, ele escreveu: “Estaremos cada vez mais dispostos a votar contra a gestão e os conselhos de administração quando as empresas não estiverem fazendo progressos suficientes nas divulgações relacionadas à sustentabilidade e às práticas empresariais subjacentes.”
Em 2023, os ventos começaram a mudar. Primeiro ele afirmou que o termo “ESG” teria se desgastado e sido o culpado por polarizar politicamente as nações do mundo ocidental, especialmente nos Estados Unidos. Em 2024, a carta foi pragmática, com foco em investimentos para a aposentadoria. A grande motivação da virada teria sido a pressão de investidores conservadores que, incitados por grupos de direita como a Heritage Foundation, acusaram grandes corporações de praticarem o “capitalismo woke”. Pelo menos 20 estados promulgaram leis locais que proibiram fundos públicos de investir em ESG. Neste mês de janeiro de 2025, a gigante gestora de ativos retirou a sua adesão à Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Clima, alegando que a sua participação em tais organizações causou “confusão em relação às práticas da BlackRock e a sujeitou a inquéritos legais de vários funcionários públicos”.
E a fila de desistentes não termina de passar: quatro anos depois de lançar um esforço por mais diversidade nas unidades de suas filiais, o McDonald’s anunciou nos primeiros dias deste ano que vai revogar metas específicas para alcançar a diversidade nos níveis de liderança sênior. A empresa também pretende acabar com o programa que incentiva seus fornecedores a desenvolverem formação em diversidade e a aumentar o número de membros de grupos minoritários.
Observando a linha do tempo, até que demorou para Mark Zuckerberg anunciar que sua empresa abandonaria os programas de checagem de informações que circulam em suas plataformas (Instagram, Facebook, Threads e WhatsApp). Mark estava lá, na posse de Trump, ao lado de Tim Cook, CEO da Apple, Sundar Pichai, CEO do Google, Jeff Bezos, CEO da Amazon, Shou Zi Chew, CEO do TikTok, e Sam Altman, CEO da Open AI. O grande destaque foi Elon Musk, dono da Tesla, da Space X e do X. Musk foi nomeado por Trump e vai chefiar o “Departamento de Eficiência”. Ninguém sabe ao certo o que isso significa, mas Musk comemorou como se a posse da presidência fosse dele. E não se furtou de fazer um gesto muito parecido com uma saudação nazista – vamos dar o benefício da dúvida? Enfileirados um ao lado do outro, os homens de perfil semelhante deixam claro que diversidade não é com eles.
No Brasil, não foram poucas as vezes em que o Deputado Federal, Eduardo Bolsonaro, saiu em defesa do legado de seu pai e atacou as políticas que visam preservar o meio ambiente. Em julho de 2024, na Conferência de Ação Política Conservadora – Brasil, Eduardo aproveitou a companhia de figuras como Nikolas Ferreira, Ricardo Salles e Javier Milei, para bradar aos ativistas da extrema-direita que lutem para que políticas globais ESG sejam inviabilizadas. “Ser de direita, gente, em bom português, é ser contra a agenda ESG. Ser de direita é ser contra a Agenda 2030 da ONU. Nós defendemos a liberdade”, afirmou durante sua apresentação no evento que aconteceu em Balneário Camboriú, em Santa Catarina.
Dado o contexto, a esperança da humanidade meio que está na oposição coordenada. Líderes da União Europeia reafirmam que manterão seus compromissos climáticos, mesmo sem o apoio dos EUA. Conseguirão conter o ímpeto da iniciativa privada? Países em desenvolvimento, mais frágeis e dependentes de apoio moral, ideológico, financeiro e tecnológico, precisam de tempo para digerir a avalanche de decretos tão abrangentes no retorno de Trump. A China, por sua vez, pode tentar preencher o vácuo de liderança climática deixado pelos Estados Unidos, fortalecendo sua posição. Olhando daqui o futuro parece muito incerto.
Em algum momento, o senso comum admitiu que as convenções da ONU encerrariam a pacificação do entendimento. Que a clareza límpida da emergência climática uniria o tecido social no mesmo empenho pela sustentabilidade, com dissonâncias pontuais, isoladas. Precisamos ser objetivos agora: o desafio é imenso, menos pela quantidade e mais pela qualidade da força destrutiva. Fechamos o ano de 2024 com 2.781 bilionários no mundo. Mas somos 8 bilhões de seres humanos não-bilionários, interessados em que a era da pós-verdade não preceda a era do pós-planeta-Terra. Os Governos, as empresas e a sociedade civil terão de redobrar seus esforços para garantir que os retrocessos não se tornem permanentes.
Camila Caringe é jornalista e se dedica a cobrir assuntos de sustentabilidade ambiental, social e de governança no Brasil e no mundo. Acompanhe o canal ESG Insights no Instagram, Tik Tok e também no YouTube.
https://diplomatique.org.br/trump-voltou-o-que-podemos-esperar-das-praticas-corporativas-esg/
“O que é a verdade?”, disse Pilatos brincando, e não quis esperar pela resposta.
Assim começa o ensaio de Francis Bacon, Of Truth . Bacon estava se referindo ao Evangelho de São João, no qual Jesus, quando questionado pelo governador romano, diz: “Eu vim ao mundo para dar testemunho da verdade”.
Em resposta, Pilatos, não sem uma forte dose de ironia, profere as palavras: “ O que é a verdade ?” Com essas poucas palavras, ele não mostra que era um cínico no sentido moderno da palavra (embora provavelmente fosse), mas um homem educado e adepto de um ponto de vista que era comum entre as classes altas romanas, cultas e cansadas do mundo naquela época.
Pilatos não esperou por uma resposta pela simples razão de que não acreditava que uma resposta fosse possível. Uma filosofia da moda daquele período – o produto de uma sociedade decadente – afirmava que era impossível chegar a qualquer concepção objetiva da verdade.
Esse tipo de subjetivismo extremo (idealismo subjetivo) não é novo. Ele surge periodicamente na filosofia como uma espécie de tique nervoso, ou melhor, um paroxismo que desespera de chegar a algo que se assemelhe à verdade objetiva.
Encontrou sua expressão mais completa e consistente nos escritos do famoso sofista grego, Górgias de Leontini, que afirmou que: (1) nada existe; (2) mesmo que existisse, sua natureza não pode ser compreendida; e (3) mesmo que pudesse ser compreendido, não poderia ser comunicado a outra pessoa.
Sofistas como Górgias foram os ancestrais do ponto de vista filosófico conhecido como ceticismo. No geral, Hume e Kant não foram muito além disso. São todas variações do mesmo tema. Foi levado ao extremo pelo bispo Berkeley, que Lenin
respondido em detalhes em uma de suas obras teóricas mais importantes, Materialismo e Empirocriticismo.
Mas provavelmente o expoente mais influente de um tipo de ceticismo foi o grande filósofo alemão do século XVIII, Immanuel Kant.
KANT
Kant foi um dos pensadores mais originais e significativos de sua época. Ele fez uma série de descobertas brilhantes, notavelmente no campo da cosmologia. No entanto, ele nunca conseguiu escapar da armadilha do dualismo filosófico, que sustenta que o mundo do pensamento e o mundo material existem independentemente um do outro.
Quando ele descobriu que havia contradições insolúveis na maneira como entendemos o mundo material, ele concluiu que deve haver um limite absoluto para nossos poderes de compreensão.
Kant pensava que havia um abismo intransponível entre o sujeito pensante e o objeto da cognição. De acordo com a teoria kantiana, somos desligados da realidade por meio das mesmas ferramentas que em vão empregamos para entendê-la.
Ele, portanto, afirmou que só poderíamos ter conhecimento de fenômenos – coisas como elas aparecem para um observador . O conhecimento humano era, portanto, restrito ao conhecimento imediato da percepção sensorial, além da qual estava a misteriosa “coisa em si” ( das Ding an sich ), que ele declarou ser incognoscível.
CETICISMO HOJE
Desde Kant, o ceticismo ressurgiu repetidamente em diferentes disfarces. Cada disfarce pode ser diferente, mas o conteúdo essencial permanece o mesmo: o conhecimento humano é limitado e há certas coisas que nunca podem ser conhecidas.
Alguns filósofos (paradoxalmente tomando o empirismo como ponto de partida) assumem que o mundo não existe de forma alguma. Outros tentam fugir completamente do assunto, alegando que o conflito entre idealismo e materialismo é uma "não questão" e o produto de um mau uso da linguagem ou mal-entendido.
A mesma atitude cética pode ser vista no mundo acadêmico de hoje, onde as mesmas velhas ideias mofadas e desacreditadas foram recentemente resgatadas sorrateiramente da lata de lixo da história e ressuscitadas sob o disfarce do chamado pós-modernismo.
Aqui, escondendo-se atrás de um fino disfarce de objetividade espúria, o narcisismo essencial do intelectual pequeno-burguês se expõe em toda sua glória nua. Seguindo servilmente esse caminho bem trilhado, a filosofia burguesa moderna acabou em um beco sem saída.
No lugar da verdade, temos apenas a minha verdade, minha opinião pessoal, porque isso é tudo o que eu posso aspirar a saber. A busca pela verdade objetiva real aqui chega a um ponto final, já que minha verdade é tão boa quanto a sua verdade . Na verdade, de acordo com essa teoria, minha verdade é infinitamente superior, já que somente eu existo .
Uma tendência irracional
Sejamos claros sobre isso. Se alguém aceitar esse ponto de vista, isso significaria o fim não apenas de toda a filosofia, mas do pensamento racional em geral. Isso reduziria todo pensamento à mera subjetividade e relatividade absoluta, em que minha verdade é tão boa quanto sua 'verdade', já que toda verdade é meramente opinião subjetiva.
No lugar do conhecimento, teríamos apenas opinião. No lugar da ciência, fé.
Como materialistas consistentes, os marxistas rejeitam esse ponto de vista. O materialismo filosófico afirma a primazia da matéria sobre as ideias e explica que as ideias, o pensamento, etc. são apenas as propriedades da matéria organizadas de uma certa maneira.
Vamos, portanto, nos dar ao trabalho de responder à questão colocada por Pôncio Pilatos. Por verdade queremos dizer o conhecimento humano que reflete corretamente o mundo objetivo, suas leis e propriedades.
Toda a ciência se baseia precisamente no fato de que:
a) o mundo existe fora de nós, e
b) em princípio, podemos entendê-lo.
A prova dessas afirmações, se provas fossem necessárias, consiste em mais de 2.000 anos de avanço da ciência, isto é, no avanço constante do conhecimento sobre a ignorância.
É evidente que, em qualquer ponto dado no tempo, haverá naturalmente muitas coisas que não sabemos. E como a natureza abomina o vácuo, essas lacunas em nosso conhecimento podem ser facilmente preenchidas por todos os tipos de absurdos religiosos e místicos. O chamado "princípio da indeterminação", com o qual Ben Curry lida em seu artigo sobre idealismo na física quântica, é um excelente exemplo desse misticismo no mundo da ciência. É o equivalente àqueles mapas antigos do mundo, onde as regiões inexploradas são marcadas com as palavras: “ Aqui há monstros ”.
Mas há uma grande diferença entre dizer “ Não sabemos” e “Não podemos saber”. Há sempre muitas coisas que não sabemos. Mas o que não sabemos hoje, certamente saberemos amanhã. O processo de conhecer o mundo avança precisamente ao penetrar os segredos da natureza, avançando e aprofundando constantemente nosso conhecimento do mundo material.
A busca pela verdade é um processo sem fim de aprofundamento cada vez mais profundo na Natureza. O progresso da ciência é um processo constante de afirmação e negação, onde uma ideia nega outra, e por sua vez é negada, como Adam Booth explica em seu artigo sobre a crise na ciência hoje. Esse processo não tem limites; ele não conhece barreiras intransponíveis, e toda vez que uma barreira é encontrada, ela é eventualmente passada e negada.
A contradição entre o "sujeito" consciente e o "objeto" externo é, portanto, superada pelo processo de conhecimento, de penetração cada vez mais profunda no mundo objetivo – não apenas por meio do pensamento, mas acima de tudo pela aplicação do trabalho humano, pelo qual a humanidade transformou o mundo e, no processo, também se transforma.
Toda a história da ciência não é nada mais do que uma luta constante para chegar à verdade, passando da ignorância ao conhecimento. Essa busca sem fim pela verdade é sinalizada pela ascensão e queda de diferentes teorias, cada uma das quais contradiz o que veio antes, mas ao mesmo tempo retém seu conteúdo essencial.
Em um livro notável chamado A Estrutura das Revoluções Científicas (publicado pela primeira vez em 1962), Thomas Kuhn define um paradigma científico como: “conquistas científicas universalmente reconhecidas que, por um tempo, fornecem problemas e soluções modelo para uma comunidade de praticantes”.
Por um tempo, o paradigma existente é considerado absolutamente válido e correto. Esses longos períodos de continuidade e progresso cumulativo representam períodos de “ciência normal”. O paradigma existente é universalmente aceito, e é isso que permite que a ciência avance de forma ordenada, dentro de uma estrutura teórica geralmente aceita.
No entanto, todas as teorias devem ser constantemente testadas por meio de observação e experimento. Ao longo de um período, certas anomalias aparecerão, mas elas não parecem apresentar um desafio sério aos paradigmas existentes. Em um certo ponto no tempo, no entanto, a quantidade se transforma em qualidade. As contradições se acumulam e, eventualmente, levam ao colapso do antigo paradigma, que deve ser substituído por um paradigma novo e superior. O status quo é repentinamente interrompido por períodos de “ciência revolucionária”.
Um exemplo marcante da crise kuhniana e da revolução científica está atualmente acontecendo diante de nossos olhos – ou melhor, a portas fechadas – no campo da cosmologia. Por décadas, a compreensão científica e o estudo do universo foram baseados no chamado "Modelo Padrão". Isso inclui a afirmação de que toda a matéria, tempo e espaço se originaram em uma singularidade do "Big Bang", estimada em ter ocorrido há cerca de 14 bilhões de anos.
No entanto, observações recentes de galáxias distantes fornecidas pelo Telescópio Espacial James Webb começaram a lançar sérias dúvidas sobre essa teoria comumente aceita. Dentro dos limites do modelo do Big Bang, não há como essas galáxias distantes serem tão grandes e desenvolvidas quanto são. A evidência mais recente, em outras palavras, é uma grande anomalia, que contradiz o paradigma atual.
Assim como Kuhn previu, isso provocou uma crise dentro da comunidade científica. Uma seção está enterrando a cabeça na areia, tentando fornecer mais falsificações para fazer os fatos se encaixarem em sua teoria quebrada. Outra seção está exasperada e está começando a questionar todo o modelo – no qual muitas carreiras e reputações são baseadas.
Por enquanto, esses debates estão ocorrendo em grande parte fora da vista, entre o establishment científico e longe de olhares curiosos. Mas eventualmente a crise dentro da cosmologia explodirá em campo aberto, abrindo caminho para uma mudança de paradigma – uma revolução – na arena da física fundamental.
Relativo ou absoluto?
Por um período considerável de tempo, aceitamos o paradigma existente como uma verdade absoluta. Somente na análise final, quando a verdade absoluta revela sua natureza incompleta e contraditória, seu caráter essencialmente relativo e transitório se torna claro. Mas temos o direito de tirar desse fato a conclusão de que não existe tal coisa como verdade e, portanto, como Pôncio Pilatos supôs, é inútil até mesmo tentar defini-la?
Não. Não temos o direito de concluir tal coisa. A verdade não é algo absoluto, dado e fixo para todo o tempo. É um processo que se move por um ciclo sem fim de constantes contradições, afirmações e negações. A história da ciência e da tecnologia e todo o curso do desenvolvimento social humano serviram para definir, aprofundar e verificar o conhecimento.
Nesse sentido ( e somente nesse sentido ) a verdade pode ser dita relativa. É o processo de desenvolvimento em constante evolução, que nunca está em repouso, mas constantemente se esforçando para cavar mais fundo nos segredos do universo. É esse tema que Goethe abordou em sua obra-prima épica Fausto , que Josh Holroyd explora nesta edição.
É isso que não permite que a verdade se transforme em dogma, na medida em que nunca chegaremos a um Absoluto imutável, porque o próprio universo é infinito e está em constante mudança, sem começo nem fim.
A verdade não pode ser encontrada em algum resultado final imaginário que resolva todas as nossas dúvidas e dificuldades, mas no processo de descoberta sem fim que, por si só, nos permite desvendar gradualmente, um por um e passo a passo, os segredos do maravilhoso, complexo e infinitamente belo universo material.
Hegel escreveu em A Ciência da Lógica que é da natureza do finito ultrapassar seu limite, negar sua negação e se tornar infinito.
Essa é uma verdade muito profunda. A busca da humanidade por conhecimento sempre se deparará com barreiras que, à primeira vista, parecem intransponíveis. Mas as barreiras são eventualmente superadas, apenas para produzir novas barreiras e desafios, que por sua vez precisam ser superados.
Se estivermos em busca de uma verdade absoluta, que finalmente nos permitirá dizer: “agora entendemos tudo, e não há mais nada a descobrir”, esse dia nunca chegará.
O universo é infinito, mas a capacidade do conhecimento humano é tão infinita quanto o próprio universo . E o único Absoluto é a mudança.
Em última análise, é esse processo infinito de aprofundamento de todo o conhecimento do universo que constitui a verdade.
O que isso significa para o marxismo?
Que implicações podemos tirar com relação ao próprio marxismo? Podemos dizer que as ideias de Marx e Engels permanecerão válidas para todo o sempre? Isso pareceria ir contra a própria essência dialética do marxismo.
Seria um exercício fútil tentar antecipar todas as muitas mudanças complexas no pensamento humano que inevitavelmente ocorrerão no futuro. Não tenho desejo de me envolver em tal especulação vazia. No entanto, podemos ter certeza de que em algum momento no futuro, novas ideias surgirão que substituirão as ideias antigas – embora, como Hegel explicou, seja frequentemente um processo de descartar ideias desnecessárias, preservando tudo o que foi valioso, útil e necessário do passado.
Essas observações devem se referir ao marxismo, assim como a tudo o mais. No entanto, neste momento, as ideias do marxismo, sem dúvida, ganharam o direito de serem levadas a sério como um guia necessário para a ação. O mesmo não pode ser dito das ideias miseráveis da burguesia, que se mostraram falsas em um campo após o outro.
Basta apontar o fato de que um número crescente de economistas burgueses está agora estudando as páginas de O Capital em um esforço para entender a atual crise do capitalismo, que nenhum deles foi capaz de prever ou explicar.
Durante toda a minha vida adulta, fiz do estudo do marxismo meu negócio. Também me dei ao trabalho de ler as obras dos críticos do marxismo e considerei uma série de teorias alternativas. Mas nenhuma dessas teorias pode ser comparada ao brilho e à profundidade daquele corpo titânico de obras que foi produzido por Marx, Engels, Lenin e Trotsky.
Essas ideias sozinhas resistiram ao teste do tempo. Podemos, portanto, deixar com segurança para o futuro nos fornecer algo melhor. Até que esse dia feliz amanheça, continuarei a me basear nas sólidas fundações do socialismo científico, que, até que alguém possa me convencer do contrário, continuarei a considerar como verdades absolutas – pelo menos no presente. E isso é bastante suficiente.
DISPONÍVEL EM: https://communist.red/what-is-truth-in-defence-of-marxism-magazine-48-out-now/
Tulio Barbosa - outubro de 2024
As mortes estão multiplicando a cada dia na Palestina, no Líbano e no Iêmen.
É preciso parar esse genocídio.
Governo Lula precisa exigir o fim desse massacre promovido por Israel.
Precisamos condenar o Estado de Israel como agente destruidor de todo um povo.
Israel pare de matar crianças.
Tulio Barbosa - MARÇO de 2022
PISO SALARIAL É DIREITO.
PROFESSORAS E PROFESSORES MERECEM RESPEITO.
ZEMA PAGUE
Tulio Barbosa - julho de 2021
As classes dominantes tem na educação uma grande aliada, pois em nome da educação se pode constituir as maiores barbaridades contra o povo pobre e oprimido. Assim, as reformas educacionais sempre tiveram as justificativas voltadas para melhorar a educação, todavia, nunca houve, de fato, melhoria na educação oferecida para o povo pobre. Não se ensina a construção de um caminho científico ou mesmo um caminho de intervenção política e imediata na realidade. A escola ensina conteúdos e esses passam pelas alunas e alunos de forma direta sem dialogar com sua condição de vida.
A reforma do ensino médio argumenta que os conteúdos não agradam aos estudantes e tornam a escola um lugar desagradável para aprender, ou seja, argumentam que a escola precisa ser mais atraente. Bem como buscam constituir a aptidão pela especialização dos conhecimentos desde a adolescência, ou seja, não existe uma preocupação em formar uma sociedade a partir do pensamento reflexivo de bases científicas, culturais e históricas. Não existe um movimento para que a ciência em todas as suas dimensões formem, de fato, mulheres e homens cientistas.
Ao tecer os conteúdos pela BNCC o Estado estabelece um conjunto de temas e problemas que limitam a relação real entre o sujeito que aprende, o mundo vivido e o planejamento da própria existência.
O conhecimento escolar estará vinculado as exigências da BNCC confirmando uma escola distante das pessoas, ou seja, uma escola formativa não no sentido amplo, mas da especificidade das exigências do Estado, todavia, o Estado não criou ou fundamentou um escola que direcionasse alunas e alunos para a ampla compreensão do seu papel na sociedade por meio da participação científica, política e histórica. A preocupação dessa reforma é simplesmente compactuar com um conjunto de valores que atrelam diretamente o conhecimento ao mercado e não aos interesses para melhorar o próprio país.
Deste modo, destacamos que a mudança central está na carga horária dos alunos e alunas e, deste modo, serão adotados conhecimentos a partir de uma base curricular comum e com isso haverá a escolhas de um itinerário formativo. Logo, tais mudanças efetivarão uma relação entre escola e empresa, escola e mercado, escola e profissão, subtraindo pouco a pouco o conhecimento como construção social para a transformação da nação em lugar mais justo, fraterno e plural.